Resenha: Dezoito de Escorpião, de Alexey Dodsworth (por Cristina Lasaitis)

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Talvez não soe estranha aos seus ouvidos (ou aos seus olhos leitores) a afirmativa de que o Brasil não produz boas obras e bons escritores de ficção científica e fantasia. Desde que passei a me interessar por literatura tenho escutado esse lugar-comum ser reproduzido mecanicamente, em partes por um histórico que nos dá a impressão de uma verdadeira escassez de obras nacionais, em partes por comparações (talvez injustas?) com a indústria de FC & F de língua inglesa, mas certamente por desconhecimento do trabalho dos autores brasileiros contemporâneos, somado a um crônico ceticismo acerca da nossa capacidade literária.
Por isso, o único conselho possível é LEIA. Leia autores nacionais de ficção científica e fantasia! E verá que temos, sim, algo de que nos orgulhar.

E dentre os melhores argumentos que posso oferecer está o “Dezoito do Escorpião”, o romance de ficção científica do Alexey Dodsworth.
Para tentar dar um gostinho do livro sem cometer muitos spoilers… O título “Dezoito do Escorpião” vem de uma estrela na constelação de Escorpião – uma estrela que, no mundo real, foi identificada como uma gêmea do sol; e, assim como ele, é capaz de ter planetas em zona habitável.

Ao longo do livro acompanhamos a trajetória de Arthur, um jovem estudante brasileiro às voltas com um problema de saúde um tanto bizarro: sua hipersensibilidade eletromagnética (ou HEM), que faz com que ele tenha enxaquecas terríveis ao menor contato com ondas eletromagnéticas (o que no mundo civilizado atual significa: a quase todo momento e em quase todo lugar!). Um dia, após sofrer uma crise severa, vem a Arthur a figura muito enigmática do doutor Ravi Chandrasekhar, propondo-lhe a experiência radical de viver em uma comunidade distante, na floresta, à semelhança de um experimento social inovador, com a condição de que Arthur concorde em ir para lá sem saber sua localização e sem nunca poder sair à noite… e ver as estrelas.

Ainda sem cometer muitos spoilers, devo dizer que Arthur aceita a oferta, e isso dá início a uma jornada na qual ele se verá na companhia de outras pessoas notáveis, outros portadores da misteriosa HEM, como Laura, Martin e muitos outros – inclusive alguns personagens “reais”, transportados para essas páginas com o expediente da nossa realidade tantas vezes concorrer com a ficção. Por trás de um projeto de dimensões, digamos, galácticas, está a Areté, uma organização pós-humana de conhecimentos avançados liderada pelo próprio Ravi Chandrasekhar, e seus objetivos que elevam a humanidade para um patamar muito próximo do entendimento da verdade cósmica e daquilo que se poderia chamar de “Deus”.

“Dezoito do Escorpião” é um romance brasileiro de uma engenhosidade fascinante, com um cenário multicultural e internacional; uma ficção científica que bebe fartamente nas mais diversas áreas das ciências naturais e humanas, explora com rigor uma quantidade enorme de fatos reais curiosos e encontra referências até nas páginas dos noticiários policiais. Possui aquele elemento que os apreciadores de FC & F tanto amam, o sense of wonder. E o que é talvez mais difícil de encontrar nas nossas letras: tem a perspicácia de redigir sua jornada rumo a outros mundos conseguindo, ao mesmo tempo, projetar um olhar extremamente lúcido sobre o “estado de coisas” do nosso país inserido no atual mundo globalizado. E tudo isso, claro, sem deixar de mencionar as qualidades de ótimo escritor que o Alexey possui.
“Dezoito do Escorpião” é leitura obrigatória para qualquer fã de ficção científica. Aliás, é aquele livro que eu daria mesmo para quem não gosta particularmente de FC & F, mas faz questão de viajar nas páginas de uma boa história.

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