Conto: Spatium Timore (Por William Fontana)

Joseph Richard adentrou o lugar enquanto suas qualificações eram verificadas por dois homens sentados numa mesa comum. Sua especialidade era espionagem industrial, um trabalho virtualmente invisível por implicações éticas, mas eventualmente contratado por empresas interessadas em espionar concorrentes especialmente do ramo tecnológico. Joseph sabia que se fosse pego estaria por sua própria conta e risco, pois seu trabalho apesar de bem remunerado não tinha possível reconhecimento por razões óbvias.

De terno bem alinhado, Joseph sentou-se à mesa com outros dois homens que defendiam os interesses da empresa TecIn, especializada em nanotecnologia e miniaturização de componentes de informática. O fato é que rumores apontavam para que a empresa concorrente, a Nano Industries havia conseguido de alguma forma quebrar o limite de miniaturização imposta pelo tunelamento que inviabilizava microchips de uma prática funcional. Os representantes da TecIn queriam saber como aqueles cientistas rivais conseguiram isso.

— Sr. Richard, por favor, sente-se. — Comentou um dos homens que não se apresentavam por questão de segurança.

Joseph Richard prontamente sentou-se e os fitou diretamente nos olhos de modo frio, mas profundo.

— O senhor tem ótimas credenciais para o que almejamos, creio que esteja a par das particularidades da missão, assim como esperamos que o briefing enviado tenha sido destruído após a leitura.

— Sim, senhor. — Respondeu Richard.

— Pois bem, aceitando essa missão o senhor terá credenciais para adentrar as instalações da Nano Industries na condição de analista de sistemas. Obviamente as credenciais oferecem acesso limitado às instalações de modo que tornará preciso utilizar suas habilidades e filar um dos cartões de acesso restrito de um dos cientistas que lá estarão na hora e lugar que fora passado. — Comentou quando parou e olhou para que companheiro que prosseguiu.

— O senhor terá suporte de um hacker para validar as credenciais de acordo com suas características físicas. No entanto, terá um tempo limitado para efetuar a manobra. Essa microcâmara na caneta lhe dará suporte para filmagens e fotografia do interior do laboratório onde o experimento ultrassecreto está sendo praticado.

— Quanto tempo terei?

— Acredito que 15 minutos dentro das instalações privadas da Nano Industries. Parte de seu pagamento será efetuado agora, caso aceite a missão, e os outros dois terços após a completar, caso obtenha êxito. Sua parte imediata é de 800.000 dólares.

Joseph Richards sabia dos riscos que poderia correr naquela missão, mas precisando de dinheiro não recusou o chamado da TecIn. Sabia que as penalidades por pirataria tecnológica e espionagem industrial eram pesadas caso produzisse provas contra si sobre o mesmo. Mas ele precisava do dinheiro para tentar começar uma nova vida no exterior dos Estados Unidos.

Após se retirar do recinto, Richard buscava estudar minuciosamente a planta das instalações da Nano industries de modo a mentalizar um movimento comedido e rápido em seus objetivos sob os tempos estipulados. Todos horários de funcionários e empregados foram estudados, dos seguranças aos cientistas da empresa. Desse modom ele teria 10 minutos entre a troca de seguranças a fim de passar pela entrada do Setor 6 de alta segurança, onde o suposto experimento de miniaturização que superava os limites de tunelamento havia sido atingido com sucesso.

Quando chegou o dia em questão Joseph Richard adentrou o recinto apresentando suas falsas credenciais de analista de sistemas e com um sorriso luminoso adentrou o lugar.

Caminhou atento, mas com naturalidade pelos corredores brancos e arejados das instalações ultramodernas da Nano Industries quando chegou as portas do setor 6 no justo momento da troca de seguranças. Conforme o programado, outro empregado havia se retirado e por contatos infiltrados dentro das instalações uma cópia do crachá do cientista fora feita. Richard a pegou sem pestanejar e com um sorriso pronto apareceu diante do sistema de segurança da porta, que por um hacker confirmou a liberação comparando sua imagem com as do crachá.

A porta se abriu lentamente quando, ao adentrar, subitamente houve uma queda na energia acendendo o sistema reserva de luz. Richard tremeu nas bases, ainda que fosse frio e calculista como era, mas percebeu que aquela oscilação de energia não tinha relação com sua penetração ilícita nos recintos da Nano industries. Tirou então o crachá de um cientista chamado William Miller e pegou a caneta espiã a fim de efetuar o devido monitoramento do interior do laboratório PSE (Projetos Secretos Experimentais), mas o que viu foi estarrecedor.

O lugar era o ponto de onde vinham as oscilações na energia de todas as instalações da Nano Industries, provocado por algum experimento que excedia o tunelamento com efeitos físicos mensuráveis. Richard, abismado, constatou que havia corpos sem vida ao redor de um aparato que parecia direcionar raios laser em pás espelhadas tendo um microchip no centro, ligando a aparatos. O espião então se virou e fitou o monitor, dizendo que o processo de miniaturização havia alcançado escala quântica. Como seria possível? Richard não era cientista, mas tinha conhecimento razoável sobre aquilo. O gestor do grupo, William Miller, estava morto no chão e parecia, estranhamente, ter sua estrutura corporal contorcida, com um braço menor que outro.

Foi quando então parou diante de uma câmera de alta definição, que gravava o experimento. Apesar do pique de luz a câmera ainda gravava, o que o levou a ter curiosidade de interromper a gravação e voltar à filmagem para verificar o que aconteceu. Tudo estava sendo gravado pela microcâmara na caneta.

Quando tornou ao começo do vídeo, notou William Miller discorrendo explicações sobre o experimento de miniaturização.

— Experimento 76. Fisicamente é impossível diminuir, molecularmente, o tamanho de um objeto capaz de quebrar o limite físico do tunelamento, mas seria possível enganar o universo com uns truques físicos diminuindo as dimensões espaciais, para que assim, automaticamente, o tamanho do objeto presente nesse ponto do espaço também diminua. Dentro dessa bolha de discrepância dimensional as leis físicas serão as mesmas, porém, numa escala menor. Todavia, uma vez que as propriedades do espaço estão entrelaçadas ao tempo, haverá proporcionais distorções perceptivas no tempo.

Ao ouvir aquilo, Joseph Richard ficou perplexo. Aqueles cientistas estavam utilizando de uma experimental e emergente protociência a fim de testar novos limites de miniaturização tecnológica num computador que processaria seus dados numa escala dimensional de espaço menor que a comum. A ciência dimensional ainda estava dando seus primeiros passos, mas uma vez se tornando possível manipular o espaço-tempo, tornava-se virtualmente possível muitos milagres científicos. Porém, algo muito errado teria dado naquele experimentom de modo a vitimar os cientistas em questão. Fora então quando viu o Dr. Miller prosseguir em seu discurso.

— O procedimento foi iniciado. Aparentemente a miniaturização dimensional está perdendo o controle, parece estar criando um espaço negativo, no qual o tempo negativo é um anexo de inversão do espaço-tempo numa concepção material. Seria equivalente a inverter um objeto.

O cientista parou e, fitando os demais membros da equipe, sinalizou para que encerrasse o projeto. Mas uma cientista balançou a cabeça em negação, eles não conseguiam interromper o procedimento, o que forçou o Dr.Miller a pedir para cortar a energia. Dois homens correram até os disjuntores, quando Dr.Miller fitou a câmera novamente, com o semblante assustado e comentou, enquanto imagens geométricas pareciam emergir do centro onde as luzes de laser eram emitidas fomentando padrões mensuráveis pelos computadores cray da empresa. Curiosamente eram padrões inteligentes!

— Parece que, ao conseguir isso, topamos com algo inusitado, padrões organizados de um modo que seria possível apenas através de uma forma de vida inteligente, mas arraigada em propriedades de vida totalmente novas diante da ciência biológica conhecida. Vimos indícios disso anteriormente, mas agora parece oficial e confirmado. Há algo vivo no espaço negativo! — Completou o Dr.Miller.

As luzes começaram a oscilar quando se ouviu uma voz tenebrosa vindo do interior do fenômeno, uma voz gutural que vociferou coisas em latim até repetir o termo ‘Spatium Timore’.

Todas as luzes se apagaram, menos a energia da câmera que prosseguiu a gravação com as baterias próprias. Um vulto que parecia andar ao contrário emergiu como uma sombra tenebrosa. Era o que os cientistas vociferavam ser Spatium Timore, o demônio do espaço. Aquele vulto angustiante lançou os homens na sala em temores insanos em meio a gritos de desespero vendo seus corpos se contorcer dimensionalmente com as oscilações do espaço.
Richard engoliu seco quando a gravação chegou no exato ponto onde ele adentrava o recinto o que era precedido por um movimento invisível de distorção ondular do espaço-tempo. Algo nunca antes mensurado naquela escala, mas apenas em escalas astronômicas.
Havia algo no lugar, algo se movia distorcendo o espaço-tempo, algo advindo do espaço negativo que era como uma quase dimensão invertida num tempo negativo, como um transcorrer do tempo inverso.

Richard então ouviu o soar dos alarmes por toda instalação da Nano Industries. O experimento descobriu algo inusitado. Toparam com algo além do esperado pelo experimento. O que restava a Richard era apenas fugir, lutando por sua própria vida. Mas era em vão, o enorme vulto negro que distorcia o espaço à sua volta emergiu ante seus olhos. Era o demônio do espaço que, como uma sombra dos tempos, avançou sobre ele distorcendo de forma dimensional seu corpo, fatalmente. No seu derradeiro epitáfio, Richard ouviu seu próprio vociferar ao contrário, como um backsmasing que dizia: !orrocos

2 pensou em “Conto: Spatium Timore (Por William Fontana)

  1. Conto ótimo ! Prendeu minha atenção do começo ao fim. É o tipo de conto que faria e faz sucesso em meio ao povo que curte ficção científica.
    Parabéns!!!

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