Artigo: Justiceiro: Nascido para Matar (por Fernando Fontana)

O Justiceiro não é um herói, ponto.

Se você o enxerga dessa maneira, se você acha que suas ações são dignas de aplausos, você precisa de remédios, terapia, ou, muito provavelmente, ambos.

Não, eu não fico triste quando um traficante ou um estuprador pegam o expresso para o inferno, seria mentira se eu dissesse isso, mas o Justiceiro existe porque o estado falhou em sua função de proteger os cidadãos.

A tradução do nome do personagem gera uma compreensão errônea do papel que ele mesmo se atribui; Punisher nada tem a ver com justiça, mas sim com punição, que são coisas bem diferentes, a não ser que você seja um adepto da política de olho por olho e dente por dente, ou que curta os suplícios medievais, onde condenados eram torturados e esquartejados, para depois terem seus pedaços espalhados pela cidade.

Frank Castle não quer que os criminosos sejam presos, julgados e condenados, ele os quer mortos e enterrados.

Ninguém compreendeu melhor a essência do personagem quanto o escritor irlandês Garth Ennis (Preacher, Hellblazer, The Boys), e se você quer saber quem é o Justiceiro, recomendo sem medo que leia o arco “Nascido Para Matar”.

O nome já resume bem, Castle não perdeu o juízo quando sua família foi assassinada por mafiosos, ele já era perturbado e sentia a necessidade de matar, muito antes que a guerra do Vietnã tivesse um fim; de fato, ele não queria que a guerra tivesse um fim, pois lá ele se sentia em casa.

Nas selvas infestadas de Vietcongues, Frank exercia o seu rígido código moral, agindo como júri e executor, matando todos aqueles que considerasse culpados, incluindo soldados de seu próprio pelotão e até mesmo um general escroto.

O que os mafiosos fizeram, segundo a visão de Ennis, foi dar a Frank Castle a oportunidade de trocar uma guerra por outra, dessa vez, interminável, pois não importa quantos criminosos o Justiceiro mate, não haverá um cessar fogo.

Uma misteriosa voz é ouvida nos pensamentos de Castle enquanto aguarda em sua base no Vietnã:

“Sei que você adora tudo isto. Fale o que quiser sobre dever, sobre impedir que os Charlies matem metade da 1ª região militar à traição. Nós dois sabemos que não é nada disso. Quando você se sentiu tão vivo? ”.

Sobre esta voz, é bom que se diga que escritor faz uma escolha questionável, não muito sutilmente, ele insere um elemento místico na gênese do Justiceiro, como podemos ler neste trecho:

“Eu posso dar um jeito de você continuar nessa para sempre, Frank. Haverá um preço, mas você poderá continuar e nunca terá que parar”.

Este pacto demoníaco tem como preço não sua alma, mas sua família, e não mais será mencionado por Ennis nas histórias posteriores.

O Justiceiro de “Nascido para Matar” ainda não veste seu uniforme negro com a tradicional caveira branca, mas já é uma máquina de matar.

Para encerrar, sobre a caveira branca mencionada acima, eis o que Gerry Conway, escritor e cocriador do personagem em 1974, tem a dizer sobre o uso do símbolo por agentes da lei nos Estados Unidos:

“O anti-herói vigilante é fundamentalmente uma crítica ao sistema de justiça, um exemplo de derrocada social. Então, quando os policiais colocam a caveira do Justiceiro em seus carros, ou membros do exército usam estampas com a caveira do Justiceiro, eles estão se alinhando com um inimigo do sistema [que eles mesmos representam]”.

https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2019/01/10/criador-do-justiceiro-condena-policiais-que-usam-personagem-como-simbolo.html

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