Conto: Arcabouço Apocalíptico (por Gerson Machado de Avillez)

Quando eclodiu a revolução francesa e seu aclamado iluminismo muitos acreditaram ter encontrado a prevalência definitiva da razão sobre os maus instintos humanos que como deméritos se avolumavam em problemas sociais inoperáveis. Porém, apenas com o advento da tecnologia da informação surgiu o que seria a solução dos problemas das motivações humanas onde por meio de programações e algoritmos sofisticadas inteligências artificias elevaram o pensamento não somente a cálculos astronômicos, mas a uma lógica infalível.

Apenas uma inteligência artificial evoluída o bastante seria capaz de atingir a racionalidade e lógicas superiores que sendo plenas e perfeitas na isenção total e absoluta das emoções e instintos que impregnam em graus diferentes a percepção dos seres humanos foram capazes de encontrar soluções para muitos problemas de nosso mundo em vários setores, da astronomia a medicina. Da química, a física a inteligência artificial despontou além-matemática sendo capaz de aprender na medida em que era alimentada com dados e informações e modificar respostas mediante circunstâncias adversas. Com o passar das décadas a ciência da computação despontou como um oráculo para a humanidade e gradualmente a um quase-deus que logo passou a ser cultuado como a respostas para todos os problemas que afligiam o homem tal como em suas buscas ancestrais.

Não tardou até surgir um sistema preditivo baseada na evolução da teoria do caos mediante teorias postuladas da junção da relatividade e mecânica quântica por peças que respondiam o que faltava para isso fomentada em parte pela própria IA. Logo esse sistema preditivo evoluiu além das previsões climáticas de nossa atmosfera, mas abrangendo o comportamento humano por sofisticados algoritmos.

Todavia, ao se tratar de um sistema preditivo de inteligência artificial lógica não era capaz de compreender as intempéries voláteis das emoções e instintos humanos capaz de criar variações nos comportamentos como uma anomalia equacional a qual escapava a compreensão fria das máquinas. Ainda que com a incidência de um sistema teórico do caos que se utilizava de uma hidrocriptografia quântica incorporando aspectos multidimensionais conseguiu-se aprimorar o sistema preditivo ainda que ele continuasse a ser num aspecto estritamente probabilístico em graus diferentes, sendo eles menores ou maiores.

Porém, uma inesperada descoberta viria a mudar tudo. Quando John Hobbes descobriu uma visão mais detalhada do mais próximo buraco negro da Terra por telescópios além Terra ele passou a desenvolver um sistema que buscasse filtrar espectros diferentes das luzes dos anéis de seus horizontes de eventos na esperança de decifra-los. Hobbes, um sinesteta, sabia que nestes anéis condessados de luz haviam contido luzes de todos universos, porém, ao se utilizar da mesma inteligência artificial usada no sistema preditivo o que ele conseguiu decodificar era estarrecedor e extasiante. Mudaria não somente a astronomia e física como o próprio sistema preditivo da humanidade.

Ainda que o sistema preditivo fosse abastecido com uma capacidade de informação de variáveis em processamentos gigantes e quase infinitos topava eventualmente com eventos considerados inexoráveis em termos estritamente físicos, mas nada como aquilo ao estudar a decodificação de espectros de luz dos anéis de um buraco negro que se descobriu incorporar não apenas luzes de todo universo em seu passado anos-luz, mas também de seu futuro. A singularidade se tornou a chave para a decodificação final para o caos.

— Como assim tais luzes espectrais desvelam eventos astronômicos futuros? — Indagou o Dr.Randi a Hobbes.

— Como flutuações de ondas que antecedem grandes explosões de ondas gravitacionais parecem exceder a causalidade do tempo mediante sua proporcional inevitabilidade. — Respondeu Hobbes não menos perplexo. — As luzes espectrais parecem indicar a queda de cinco estrelas próximas no buraco negro. De acordo com os cálculos e e-Quantic Brain daqui exatos 207 anos. E ao debulhar mais distante fitamos o que aparenta ser o fim iminente do fim de nosso próprio planeta em tempo similar a este.

— Não pode ser possível, nossos cálculos indicam que mesmo as estrelas não estão sendo afetadas de longe pelo campo gravitacional do buraco negro, muito menos a Terra! A pior previsão indicaria isso daqui um milhão de anos. — Retrucou Randi perplexo.

O coordenador do curso que era Randi exigiu uma reavaliação e demonstração simulada das luzes espectrais decodificadas pelo filtro virtual que parecia separar fóton por fóton as luzes captadas ao debulhar informações potencialmente preditivas. De modo que se a previsão estivesse correta, na realidade o buraco negro ainda assim estaria mostrando o que teria acontecido há uns séculos atrás, mas não mediante os ajustes de cálculos feitos sobre as estimativas da Terra. Porém, a previsão caso fosse legítima teria implicações físicas mais amplas em curtas distâncias de espaço-tempo.

Fato que a ciência havia evoluído o bastante para ser capaz de dar os primeiros passos na criação de manipulações dimensionais análogas a de tais fenômenos astronômicos. Mas ainda que tivessem aumentado a amplitude de suas aplicações pela junção científica numa teoria do tudo, sabiam que possibilidades a nível quântico do limiar dimensional eram uma coisa, e as de nível relativístico outra.

Mesmo os poderosos processadores ternários do e-Quantic Brain trabalhavam com pequenos loops temporais e por vias de dimensões que extrapolavam as três conhecidas de nosso universo, mas ainda que a compreensão humana indicasse até então a possibilidade real de um multiverso, ainda que virtual ao nosso, as implicações em escala relativísticas eram revolucionárias demais.

O fato é que Hobbes conseguiu demonstrar com eficiência suas conjecturas, e não apenas isso, mostrar em vídeos com resolução suficiente as imagens interpretadas pelos espectros de luz em camadas de tempos e espaços distintos como dos anéis de uma arvore milenar guardavam dentro si anéis de tempo de cada período de sua vida. Mas aquela “árvore” cósmica desvelava anéis além de seu tempo atual ao futuro. Talvez saber o destino seria não menos um fruto proibido dessa árvore.

Sob aplausos Hobbes terminou sua apresentação de um público estarrecido ao saber que olhar os céus não víamos apenas o passado, mas agora o futuro. Em consequência disso, era óbvio ele ter sido laureado pelo Nobel de física mediante as implicações científicas que, no entanto, estavam apenas começando.

Logo, Hobbes teve a ideia de tentar criar similar fenômeno de singularidade em escala na órbita terrestre. Ainda que infimamente menor que um buraco negro em escala real e astronômica o evento seria o maior similar criado artificialmente e o primeiro fora da Terra. Lógico, que sua proposta fora aceita com entusiasmo pela comunidade internacional que lançou um convênio multinacional para o empreendimento em escala global. Uma cooperativa que em duas décadas construiu uma enorme estação orbital nas mediações dele e um aparato capaz de criar curvas espaciais e temporais o bastante para reproduzir em escala relativística os mesmos anéis do horizonte de eventos capturados pelo poderoso telescópio nos limites do sistema solar. Nada era observado diretamente, porém, os eventos a seu entorno do horizonte de eventos assim como a curva que forçava a luz curvar-se seria capaz de um empreendimento capaz de romper a causalidade do universo determinada pelo limite luminal estipulado por Einstein. Ainda que essa causalidade Hobbes compreendesse num âmbito de informação parecia a definitiva aplicação de efeitos quânticos em larga escala como definitiva visão de uma ciência transtemporal e transdimensional que ainda engatinhava.

Dr.Hobbes demonstrava um grau de entusiasmo jovial ainda que tivesse idade avançada quando no fim de duas décadas o empreendimento deu início as suas operações no buraco negro criado artificialmente de modo controlado. Presente nessas operações iniciais, Dr.Hobbes com agora 99 anos fitava o vazio presente no vórtice que seria pressentido apenas por variações entrópicas e na gravidade. Logo que atingiu seu ápice a curvatura dimensional indicava a eminência da singularidade demonstrando o êxito.

— Formidável! — Comentou Hobbes com sua voz trêmula, pois ainda que com a moderna medicina que estendia a vida média por mais de um século Hobbes havia sofrido de um mal degenerativo que apesar de curado deixou sequelas. — Vamos agora desvelar o âmago de nosso próprio futuro, finalmente!

— Caso isto esteja correto isso aprimorará o sistema preditivo global exponencialmente a ser capaz de prever com exatidão mesmo o comportamento humano! — Comentou uma doutora extasiada com aquilo. — Talvez tenhamos achado a chave para decifrar o código do caos e o livre-arbítrio humano num evento físico!

A humanidade queria saber mais do que tudo os motivos pelo qual o fenômeno originalmente decifrado indicava o fim da Terra contra todo prognóstico físico conhecido, tirando a eventualidade da colisão de um cometa com a Terra. Mas agora com uma visão mais ampla e próxima de nosso planeta eles poderiam ter dados mais precisos e claros sobre as indicações demonstradas no longínquo buraco negro.

Tais eventos ainda que de magnitude astronômica foram capazes de predizer uma hecatombe terrestre num período de dois séculos. Outros eventos de singularidades foram recriados em pequena escala na orbita terrestre a fim de replicar resultados preditivos que pareciam vazar as dimensões conhecidas. Por se tratar de um fenômeno astronômico de gradual inexorabilidade mediante sua aproximação no espaço-tempo logo condições quânticas foram pela primeira vez observadas em proximidade o bastante para novas descobertas potencialmente revolucionárias, como as sobreposições dimensionais de variações como a da incerteza de Heisenberg e afins. Logo se percebeu que não havia sobreposições de variáveis quânticas assim como não havia caos o bastante para isso. Condições determinísticas de inexorabilidade apenas análogas as observações quânticas além-horizonte de eventos de um buraco negro.

Porém, algo num dos procedimentos deu errado. Dr.Hobbes vendo a situação percebeu que o próprio buraco negro artificialmente criado fugira ao controle ainda que imperceptível a olhos nus. Mas os sintomas logo foram sentidos, aparentemente o fenômeno astronômico ainda que em pequena escala ganhasse vida própria desestabilizando mesmo a órbita lunar e criando uma série de efeitos nocivos gradualmente sentidos de modo crescente na Terra.

Logo o entusiasmo que acometeu Dr.Hobbes e os seus tornou-se medo e consternação. O sonho mais doce se tornava no mais amargo pesadelo. A descoberta e feito capaz de prever o futuro e o suposto fim da Terra fora o que curiosamente acarretou no próprio evento que levaria ao fim terrestre, um sistema capaz de predizer acontecimentos terrestres que levou inexoravelmente ao fim da própria vida na Terra restando a mesma apenas a buscar modos de ressurgir ou escapar do planeta, sendo para outro lugar, outra dimensão ou outro tempo.

Mesmo os cálculos físicos convencionais confirmaram o postulado de modo preditivo anteriormente, restavam agora para a humanidade apenas 176 anos para que o evento criado em órbita terrestre crescesse e passasse a engolir a Lua e dar fim a própria Terra. O buraco negro criado como singularidade para prever o futuro levou inexoravelmente a ele de modo fatal por um influxo de eventos ao perceberem que a singularidade não era apenas espacial, mas dimensional no tempo. Ao tentarem prever seu futuro eles o criaram.

Conheça mais sobre o trabalho do autor no link: www.gersonavillez.jimdo.com

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