Conto: Tsunami Brasil (Por Rogério Amaral de Vasconcellos)

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O endereço do paraíso, logo ali, abaixo três graus da linha do Equador, virou o novo escritório do inferno na terra.

A evacuação ocorreu na sequência dos primeiros tremores e antes do tsunami chegar, dali a vinte minutos, aproximadamente.

As sirenes tocam alto, ajudadas pelos barcos da guarda costeira, apressando o embarque de moradores, turistas e funcionários. Os demais (pois não havia como evacuar todos em tão pouco tempo) foram removidos para o âmago do arquipélago e lugares altos, onde se esperava que não fossem atingidos.

Em 2021, logo após a Covid arrebatar milhões, sem precisar afogar ninguém, a não ser de falta de ar e descaso público, o Brasil teve sua cota de Indonésia e Japão.

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Não houve propriamente um tsunami. Apenas se verificou um vagalhão de quinze metros de altura, equivalente a um prédio de cinco andares, por dois quilômetros de largura, avançando a quase 100 km/h.

Os vagalhões vieram – quatro ao todo, como os Cavaleiros do Apocalipse, apenas mais molhados e mortais – porém cada vez menores e poder destrutivo decrescente.
O grosso dos sobreviventes se concentrava próximo ao aeroporto, situado mais de 50 metros acima do nível do mar.

Chegaram relatos que lama e escombros invadiram as regiões mais abaixo. No saguão do aeroporto Governador Carlos Wilson foi montado um centro de triagem. Falavam que barro e escombros, além de uma procissão de caixões, do cemitério, tinham sido carreados pelo vagalhão. Vários corpos tentavam se segurar naquilo que pudesse oferecer apoio. Inclusive cadáveres.

Foi muito rápido, em muitos sentidos. Tudo começou e terminou em meia hora.
Rápida também foi à resposta da marinha brasileira e todos os barcos que se encontravam nas imediações e captaram o pedido de socorro pelo rádio e mídias sociais.

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Por ali, até meados da tarde seguinte, soube-se que perto de trezentas pessoas deixaram de voltar para suas casas, chalés, estados ou pátrias.

Todavia não foi somente uma sucessão de perdas, que as equipes de resgate encontrou.

Havia uma mudança radical na morfologia do arquipélago, tradicionalmente conhecido pela escassez e reservas depauperadas de água doce. O solo vulcânico, pedregoso e pouco profundo por natureza, não tinha capacidade inata em reter água, levado pelas chuvas até o mar, onde se perdiam.

Não mais.

Após o abalo no oceano, um gêiser lançou um penacho enorme de água no ar, a crosta ruiu em algumas partes. Da noite para o dia, o arquipélago brasileiro passou a ser uma fonte hidrotermal de primeira ordem: um grande lago se formou em uma de suas ilhotas e muitos outros mananciais passaram a verter vapor, água sulfurosa, gaseificada e até lava.

Ninguém sabia na ocasião, mas o lugar testemunhava o ressurgimento de um vulcão que ficou adormecido por dez mil anos.

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Longe dos noticiários, a implicação do “tsunami” não convencia ninguém.

Acomodados em uma das lanchas que fazia o patrulhamento, zelando para que a nova quarentena no arquipélago fosse mantida, dois oficiais conversavam.

— Você acredita nessa versão?

— Qual? Que o PT vai se aliar à Aliança pelo Brasil?

— Credo, pegou pesado, capitão! A versão de que foram os norte-coreanos que enviaram um drone dirigível-bomba, mas erraram o alvo. Os olhinhos enviesados enxergaram a América errada. Que foi uma explosão nuclear que ocorreu no meio do oceano?

— A temporada de presidentes inconsequentes ainda não acabou, seja do ocidente ou oriente. Mas a hipótese é tão louca quanto dizer que foram os intraterrenos, abrindo as comportas do inferno!

Depois do silêncio permeado pelo matraquear do motor, o oficial completou, esperando encerrar a questão, porém sabendo que aquilo não acabava ali:

— Vamos patrulhar e deixar os políticos fazerem algo melhor que apenas dar má fama aos seus países.

***

 

Quanto mais o representante brasileiro nas Nações Unidas negasse o acontecido no arquipélago – como algo intrínseco ao Programa Nuclear Brasileiro – mais se achava o contrário. Não havia dúvida que a balela sobre Kim Jong-um e intraterrenos não passava de folclore. Os satélites espiões corroboravam.

Mas e o resto? De onde originou aquela explosão?

“Brasileiro bom é brasileiro mudo…”, pela primeira vez o embaixador em Washington, que não conquistara a posição fritando hambúrguer, abraçou aquele ditado filho da puta.

Tratou de acudir mais uma ligação do delegado na ONU, tendo o Itamaraty na outra “linha segura”, sabendo menos do que ele.

— Rui, estão me crucificando aqui em Nova Iorque, cara! Desde que o Trump enfartou em Brasília, não somos tão sabatinados. O que falo pra esses gringos, porra?!

— Que não temos a bomba.

— Mas…

— Diga a verdade.

O embaixador, após lhe ocorrer algo que aprendera na diplomacia, complementou:

— Diga que não temos essa merda… E que convidamos todas as potências que detém arsenais nucleares a enviarem seus representantes até o local, que eles imaginam termos detonado.

O viva-voz silenciou. Se houvesse algo que o Itamaraty vetasse no discurso de Rui Walter Salles, estaria esbravejando naquele instante. Ou isso ou entraram em estado de choque.

Brasília entendia que seu embaixador nos EUA tinha um plano. E se não tinha, ao menos tomou pulso do assunto e, claro, seria responsabilizado por ele. Simples assim. Não havia como voltar atrás depois da coletiva.

Com o relatório confidencial na mídia em uma das mãos, concluiu:

— Se este documento que me forneceram está correto e não há radiação, nem mesmo residual, em nosso arquipélago, senhores. Podemos autorizar até um sobrevoo de AWAC ou asa delta, se fizerem questão disso. Claro que serão devidamente escoltados.

Depois desse dia, para bom entendedor “bomba limpa” é letra.

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