Resenha: A Kuka de Kamaiorá, de Leilah Assumpção. (por Richard Gear)

Saudações, humanoides,

Hoje não trago outra edição do Serviço de Garimpagem Literária, já que venho falar de uma obra de fácil acesso. Trata-se de A Kuka de Kamaiorá, de Leilah Assumpção. Para minha surpresa, essa obra não é frequentemente vista como ficção científica e também é pouco falada na fortuna crítica da autora. Talvez, quem sabe, a situação mude e um dia eu veja uma pesquisa que a compare com O conto da Aia, de Margaret Atwood.

Assumpção considera a obra como “uma mistura de história de fadas, contos de terror e ficção científica”. De acordo com a autora: “Escrevi a Kuka de Kamaiorá, ou O Segredo da Alma de Ouro, por causa da censura. A história se passa num país imaginário, chamado Kamaiorá, onde as mulheres só podiam ter filhos do rei. […] Escrevi essa peça durante todo o tempo da ditadura, como uma forma de me manter viva. Escrevi como se fosse um bordado, ia escrevendo, apurando o texto, bordando” (Assumpção apud PACE, 2007, p. 91). Como muitos autores da época, Leilah escreveu FC para escapar da censura, não funcionou. A Kuka de Kamaiorá foi publicada e censurada em 1973. A montagem teatral aconteceu apenas em 1983, com o título O Segredo da Alma de Ouro.

O enredo é o seguinte: “a peça conta a estória do rei Fernandez e de seus súditos, ‘gente boa mesmo, forte, disciplinada’. O chefe da nação afirma, ‘O povo está feliz no Reinado de Kamaiorá’. Só que as mulheres do reino são condenadas a gerar unicamente os filhos do rei. Entretanto uma delas, a Malfadada Mãe, é acusada de conceber uma criança ‘bastarda’. O rei manda abortá-la, costurando a vagina da mãe, mas a criança sobe para o estômago. O estômago é apertado com um espartilho, o filho sobe para os seios que passam a alimentar os outros filhos da nação. Leite bom, leite podre, leite maldito, de acordo com a visão de cada um. Cortam-lhe os seios e o filho continua vivo na cabeça e liberta-se pelos cabelos da mãe. O fim da peça revela Fernandez e Malfadada unidos e destruídos em um abraço de amor e ódio. A criança resiste e sobrevive” (ALVES, 1995, p. 149-150). Daí já dá pra perceber por que acho que daria para comparar com O Conto da Aia, estou errado?

Para terminar, segue a opinião de gente grande, Antonio Candido assim fala sobre a obra: “Uma imensa redução do homem e da mulher em segmentos e engrenagem. Uma espécie de amputação de todas as naturalidades e todas as espontaneidades. Uma visão estatística dos indivíduos. E de repente a erupção do ato natural, que parece criminoso, que parece o próprio crime – com todos os mecanismos para impedir a sua consequência. Aperta daqui, aperta dali, corta dali com as tiranias arapuadas. Mas o ato se perfaz e a naturalidade se reinstala, fazendo tremer as galáxias. Leituras várias, dentro das quais me retenho na que proclama a liberdade apesar dos torniquetes. E concluo que você compôs uma parábola contemporânea, uma parábola sobre a iniquidade do momento, por meio das cores do futuro. Não sei se entendi, mas gostei” (apud Vasconcelos, Sem Data, Sem página).

A peça pode ser encontrada com o título A Kuka de Kamaiorá em sebos e na estante virtual. Uma opção um pouco mais acessível é o livro Onze Peças de Leilah Assumpção (2010), da editora Casa da Palavra. Por fim, se você repetir “Kuka, Kuka, Kuka” na frente do espelho, pode ser, ou não, que alguém envie uma versão pirateada. Malditos piratas!

Assinado,
Richard Gear, o arqueólogo robô

Referências
ALVES, J. A Kuka de Kamaiorá ou o Segredo da Alma de Ouro: Metaficção Historiográfica, 1973-1983. Revista de Estudos de Literatura. Belo Horizonte, v. 3, p. 147 -154, out. 1995.
ASSUMPÇÃO, Leilah. A Kuka de Kamaiorá. Concurso de Dramaturgia/1975. Prêmio de Publicação. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, 1978.
PACE, Eliana. Leilah Assumpção: a consciência da mulher. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007.
VASCONCELOS, Ana Lúcia. Leilah Assumpção, da fala ao grito. Vitabreve: revista digital de arte e cultura. http://vitabreve.com/artigo/86/leilah-assumpcao,-da-fala-ao-grito/

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