Resenha: Avalovara (Por João Gomes Moreira)

Foi numa tarde sem sol, quando pela primeira vez, numa biblioteca pública, entre os escombros de livros secundários, sicários, subalternos; esbarrei na “caixa-preta” Avalovara, 1973. A sinopse no verso do livro dizia: “Um pássaro formado de muitos pássaros. Uma frase que, lida em todas as direções, tem o mesmo significado. Uma melodia que nunca se completa” . A poesia da primeira frase e o enigma da segunda me fisgaram na hora. Este romance veio ao mundo na mesma época de Conversa na catedral, de Mario Vargas Llosa, 1969; As Meninas de Lígia F. Telles. 1973; Lavoura Arcaica de Raduan Nassar, 1975; O Risco do Bordado (1970), de Autran Dourado.

Sumariar um livro é uma tarefa hercúlea e temerária, ainda mais quando um mecanismo de busca aponta para “aproximadamente 4.810 resultados” (Google, 2019) de trabalhos assemelhados; destacando-se dissertações e teses acadêmicas tais como: Tempo de Avalovara (as diferentes dimensões temporais no romance de Osman Lins, de Marisa Balthasar Soares (2007); Indícios no Insólito: avalovara através do espelho de Maria A. Bonfim (2015); Avalovara, vertigem e mediações tecnológicas, de Nelson Nemo F. Marisco (2012); Literatura e Desvendamento: uma leitura de avalovara, de Osman Lins de Raimundo Fábio G. Carneiro (2017), entre outras.

O autor apresenta em seu início de trabalho imagens diáfanas: “no espaço ainda obscuro da sala, nesta espécie de limbo ou de hora noturna formada pelas cortinas grossas, vejo apenas o halo do rosto que as órbitas ardentes parecem iluminar. (…) assim, aos poucos, perdemos, ela e eu, a opacidade. Emerge da sombra a sua fronte – clara, estreita e sombria” (in: a inominada e Abel: encontros, Percursos, Revelações. p.13). De pronto é possível destacar semelhanças nas narrativas de Osman Lins e Allan Poe (o fantástico, a poética, a metafísica, a visceralidade e o suspense). Segundo o que leciona Tzvetan Todorov um evento fantástico só ocorre quando há a dúvida se esse evento é real, explicado pela lógica, ou sobrenatural, ou seja, regido por outras leis que desconhecemos. “Há um fenômeno estranho que se pode explicar de duas maneiras, por meio de causas de tipo natural e sobrenatural. A possibilidade de se hesitar entre os dois criou o efeito fantástico.” (TODOROV, in: Introdução à Literatura Fantástica, 1968, p.31).

A Editora Guanabara em sua edição de 1986 incluiu a apresentação do crítico Antônio Candido: A espiral e o quadrado de onde pode-se partir linhas paralelas (similares) com o Cubo de Rubik e outro produto da cultura contemporânea, o longa-metragem: Cube, 1997 com roteiro de Vincenzo Natali André Bijelic.

Avalovara é um romance considerado a obra-prima de Osman Lins, pelo equilíbrio entre a originalidade, a investigação formal e a abordagem das questões humanas. Em primeiro lugar deve-se destacar que o trabalho impressiona pela arquitetura e sua estrutura se baseia no Quadrado de Sator, um palíndromo de um poema dentro d´um conto encontrado numa antiga biblioteca. As narrativas se intercalam, explorando formatos do quadrado e da espiral. Propõe-se uma reflexão sobre os movimentos e transições da ordem ao caos. Viagens vertiginosas entre o microcosmo e macrocosmo. De maneira maravilhosa o autor faz flutuar a ordem e o caos, fantasia e realidade, o acaso e o calculado. A arquitetura do romance tem ecos da teoria do caos, dos fractais no desenvolvimento simultâneo de cinco narrativas dentro de uma espiral inscrita no Quadrado Sator.

Na edição de 1986 há uma espécie de índice remissivo por meio do qual a leitura pode ser direcionada, coisa que não fiz, e, jamais saberei se o resultado final teria sido melhor do que do modo linear em que segui preso a convenção e costume. Destaque-se para o projeto “Uma rede no Ar” da FAPERGS e UniRitter (1012) –-trabalho resultante da transposição de dados inseridos e manipulados em suporte eletrônico durante o desenvolvimento de pesquisa. Por fim, “O resultado é uma forma original de Leitura Mediada em que uma variedade de conexões intratextuais e extratextuais são explicitadas pelos pesquisadores através da utilização de um Sistema de Administração de conteúdo, concebido para ser uma entrada de dados no ambiente. Entretanto, cada obra requer um tipo de tratamento específico que evidencie sua própria lógica compositiva, que concretize suas ligações, que aproxime e classifique recursos recorrentes, enfim, que torne visíveis as proposições e sugestões do texto. O tratamento hipertextual oferece ao leitor uma memória abrigada do esquecimento e das falhas da memória humana. Por sua vez, a interface do sistema dispõe o texto em rede através de opções de navegação, movimentos de ir e vir, sem que os tradicionais pontos de início, de fim e de centro sejam as únicas possibilidades de realização da leitura”.

Abrir e ler Avalovara é uma experiência de imersão total, uma viagem vertiginosa pelos caminhos do desejo, da paixão e do amor. Existem passagens frenéticas de cenas cinematográficas. É como se o leitor subisse em um brinquedo de parque de diversões onde todos os demais brinquedos se unissem e experimenta-se no mundo material e no sonho. “Avalovara” é uma narrativa urdida e engendrada pelo amor e o desejo entre os personagens, que se unem em paisagens eróticas e de exploração da sensualidade, misturando ideias, ideais e submergindo em eventos íntimos da mistura de almas que acontece em uma relação absoluta.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para o topo