Resenha: “Better Than Us” (por João Gomes Moreira)

A série russa Лучше, чем люди, (no idioma original) “Better Than Us” veiculado e disponibilizado assim pela provedora de streaming Netflix, pode ser classificada como ficção científica hard. Esta produção (de 2018) é uma viagem prospectiva estribada na realidade do presente (problemas relacionais: inter e intrapessoais, familiares, conjugais (no microcosmo); e sociais; tais como previdência, trabalho, e sistema de saúde (no macrocosmo). Seu título já remete a povocadora questão filosófica: Os andróides do futuro (…ou presente) serão/são melhores do que nós? Destaque para os minutos iniciais da série, quando são enumeradas as 3 Leis da Robóticas propostas por Isaac Asimov. É crível supor que o roteirista da série Alexander Kessel quis render loas ao escritor, incorporando-as na trama.

Moscou (2029). No primeiro episódio é apresentado uma proposição sobre os eventuais limites da traição amorosa mediada ou perpetrada pelo intercurso sexual humano-andróide. A esta altura é necessário lembrar que a matriz religiosa da nação russa é cristã ortodoxa.

O grupo terrorista “Liquidantes” prega a destruição dos andróides, principalmente porque eles tiram os empregos das pessoas. E o governo russo planeja impor uma reforma previdenciária que obrigue as pessoas a se aposentar mais cedo, exatamente para substituir a mão-de-obra humana por robôs que não tiram férias ou se organizam em sindicatos. Destaquee que na atualidade os governos tem tentado aumentar o período da trabalho para fazer frente as custas do sistema de seguridade social (assistência médica, aposentadorias e pensões). A empresa de alta tecnologia responsável pelo fabrico e venda de andróides está em negociação com o governo afim de obter o contrato exclusivo de fornecimento. Esta empresa tem o nome de Cronos. E a cada ano a empresa quer apresentar um novo andróide aprerfeiçoado e consumível (vide Lei de Moore) e tem paralelo com a corrida tecnológica das grandes corporações produtoras de dispositivos eletrônicos do presente.

A heroína da história é Arisa (tributo a R.Scott semelhança a Rachel/Sean Young ecos diáfanos d´uma criança femme fatale e uma femme fatale criança), ginoide que possui a capacidade de aprender e escolher. Em certa medida o roteirista apoiou-se na psicologia do desenvolvimento humano para apresentar ao longo da série as mudanças de comportamento relacionadas à “idade durante a vida”; expondo algumas alterações através de uma ampla variedade de tópicos, habilidades em solução de problemas, entendimento conceitual, aquisição de linguagem, entendimento da moral, formação da identidade. Descortina-se as mudanças quantitativas e qualitativas e a estabilidade nos domínios cognitivo e psicossocial. O reteirista também demonstrou como o aprendizado de Arisa estava sujeito a influências internas (Leis da Robótica em sua CPU) e externas, tanto normativas como não normativas.

De acordo com Ekaterina Sinelschikova (2019): “Better Than Us” oferece diferentes pontos de vista e muito material para reflexão. Nos faz, inclusive, pensar se a principal fonte de perigo estaria na própria psique humana: são os humanos que se apegam às máquinas sem alma, as antropomorfizam e começam a acreditar que as máquinas precisam delas e que elas precisam das máquinas – e que essas máquinas são realmente melhores que as pessoas.

A capacidade de identificar e compreender as emoções humanas de Arisa a torna portadora de sensibilidade e percepção mais profunda do sentido da família e da humanidade. E isto gera no público identidade e interesse para acompanhar a história. O tema eixo central da trama consiste numa reflexão sobre relações sociais. As complicadas conexãos: pais/filhos; homem/sociedade; entidades públicas/privadas; garantias individuais/coletivas; sociedade/Estado; direito material/difuso. Todos os personagens têm famílias disfuncionais em alguma medida. O médico legista (Safronov) não é exatamente um modelo de pai. O empresário (Toropov) é um péssimo marido. O detetive Borisovich (Kirill Polukhin) sequer tem uma família. Essa sobreposição de conflitos, aliada à devoção inabalada de Arisa para manter sua família segura, desperta a simpatia do público pelo organismo cibernético.

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